16.5.16
{à conversa com Heinz Beck} Jantar no Gusto com o café em múltiplas formas, texturas e aromas
No Algarve o tempo passa mais devagar. Nos poucos dias em que a chuva dá tréguas e a Primavera surge em todo o seu esplendor, o azul do céu ganha ainda mais uma tonalidade e as bonitas piscinas do Conrad transportam-me para memórias de férias e ócio. Tenho no Sul o meu ponto cardeal de eleição, o que tantas vezes me guia e para onde os afectos me levam. Com pena, não venho para ficar. Estou apenas de passagem mas o programa encerra um desafio em forma de experiência, onde o café promete ser rei em mais um jantar Nespresso Gourmet Weeks.
A tarde caminha para o seu fim e o jantar avizinha-se. Na entrada do Gusto, com a luz bonita do fim de tarde a entrar pelas enormes janelas, Heinz Beck recebe-nos com um sorriso que há-de durar muitas horas. A simpatia do chef é lendária e é por isso com boa disposição mas um olhar concentrado que aceita fotografar-se com o chef Ricardo Costa, seu convidado, desaparecendo em seguida para a cozinha.
Na conversa já depois do jantar, Heinz Beck havia de confessar que naqueles momentos a sua mente se encontrava no amuse-bouche que tinha sido decidido pouco antes e que não estava ainda finalizado. Nada que pudéssemos perceber quando à mesa nos chegou um bonito Tártaro de lírio, pérolas de tapioca em gaspacho de legumes e frutos verdes, salicórnia e arroz selvagem, um crudo na tradição da cozinha que Heinz Beck faz no seu restaurante La Pergola, detentor de 3 estrelas Michelin. Entre o contraste de cores, vibrantes e primaveris, ganha posição uma combinação onde a frescura encerra uma complexidade de sabores que se descobrem a cada nova colherada. Sem saber se são as diferentes texturas que mais me encantam ou a harmonia entre tantos ingredientes em aparente simplicidade, rendo-me a este prato fora do menu e as expectativas ficam (ainda) mais altas.
Notas tomadas, conversa animada e a noite está lançada. Ainda a pensar no amuse-bouche, eis que chega à mesa o couvert: pão, azeite e diferentes tipos de sal. E o que aparenta ser um normal pão, redondo e escuro, talvez de centeio, encerra mais um segredo.
Assim que se parte entre as mãos, há um aroma a café que não engana. Rio-me com a surpresa mas depois da primeira dentada percebo que estou ali para ser surpreendida. No tabuleiro vem também uma foccacia e uma ciabatta com ervas da provença, mas é o pão de café e avelãs feito com espresso leggero que não largo até não restar uma migalha. A criação é do chef pasteleiro Giacomo Troisi, um dos muitos chefs italianos que compõem a equipa do Gusto.
Enquanto o delicioso pão de café está na boca de todos, é-nos servido um Soalheiro Dócil 2015, o vinho verde que acompanhará o primeiro prato da responsabilidade do chef Ricardo Costa: Gambas do Algarve, Maçã, Aipo, Fígado de Pato. O café, muito subtil, sente-se nas gambas que estão no prato, servidas sobre um puré verde e fresco. Ao lado, as cabeças em tempura, crocante e saborosa, são complemento perfeito de um prato cheio de camadas de sabor mas muito harmonioso.
No Gusto a cozinha abre-se sobre a sala e da mesa do chef, onde ficámos, vê-se toda a confecção e empratamento o que ajuda ainda mais a fazer desta uma experiência única. Pela mão certa e conhecedora da equipa de sala é servido um vinho com uma casta especial, o Dona Fátima Jamal 2014 é um bom exemplo do longo caminho que os vinhos de Lisboa têm feito.
E eis que chega o prato mais bonito da noite: Atum, creme de ervilhas, molho de cappucino e flores de alho. O café é relembrado por um efeito cénico dado pelo aroma pulverizado quando o prato chega à mesa. Mais uma forma de evocação que uma real adição ao prato que aqui parece ser utilizada de forma contextualizada e que nos deixa com um sorriso nos lábios. Já o paladar reconhece uma combinação subtil onde cada componente parece sempre em continuidade com o seguinte, num resultado que é muito delicado.
No passe Heinz Beck finaliza já o prato seguinte, espalhando pózinhos de café sobre as molejas que completam o Risotto de abóbora com café liofilizado e molejas. Este é mais o exemplo da cozinha de inspiração mediterrânica que caracteriza o chef que faz de Roma a sua casa há mais de vinte anos. De confecção perfeita e sabores que parecem feitos para estar juntos, há ainda a salientar a harmonização com um maravilhoso vinho do Dão. O Quinta dos Lemos Alfrocheiro 2010 é uma homenagem à região e representa mais uma escolha bem sucedida do escanção António Lopes.
Olho na direcção da cozinha e o palco é agora de Ricardo Costa. É o prato de Porco Bísaro que já havia provado na apresentação das Nespresso Gourmet Weeks. Inspirado na feijoada, o chef do The Yeatman traz Presa assada na brasa, presunto, molho de feijoada e bola de Morcela. Pela segunda vez na noite o pão faz uso do ingrediente estrela e o café aromatiza as pequenas bolas de sabor forte e muito curioso. E porque as surpresas nunca acabam o pairing para este prato chega pela mão do barman do Conrad Nelson Matos e sob a forma de cocktail: Café, Whiskey, Amêndoa é tudo o que me apetece num final de tarde com sol mas a sua harmonização com o prato afigurasse-me difícil. Ao contrário dos meus companheiros não consigo gostar da combinação e fico a reflectir sobre as razões. Talvez seja o meu palato mental a pregar-me uma partida ou o olho que deito ao passe onde já se desenha um novo prato.
Com a cozinha a perder intensidade e os chefs pasteleiros a assumirem a dianteira no último prato da noite, é chegada a sobremesa. De singeleza e perfil delicado, com o nome simples de Sablé é, como explica Heinz Beck de cotovelos sobre a mesa e agora totalmente descontraído, uma combinação de amêndoa e chocolate, com a evocação do café crème ens tons de rosa e castanho. Bonita como pode ser é leve e pouco doce como pede um jantar que já vai longo. Toda a riqueza é deixada ao vinho que a acompanha, um Porto Conceito LBV 2009 que casa na perfeição.
A conversa corre veloz. Heinz Beck é um anfitrião de energia inesgotável que responde a todas as perguntas, fala das suas viagens, dos restaurantes, da experiência de ter um 3 estrelas Michelin como o La Pergola e do carinho que tem pelo Gusto e o projecto que desenvolve no Conrad Algarve. No final é tempo de celebrar com toda a equipa de cozinha e sala, com o barman Nelson Matos e o director Joachim Hart mais uma noite perfeita. Das despedidas muito afectuosas guardo a lembrança da simpatia e simplicidade de trato de todos, num lugar cheio de encantos.
As Nespresso Gourmet Weeks entram esta semana na sua recta final. Para terminar em grande, a 19 de Maio João Rodrigues recebe Alessandro Negrini no Feitoria, em Lisboa.